sábado, 19 de março de 2011

Relatos de um só


A solidão preenche o meu quarto. A sala de estar está vazia dos amigos que lá deveriam estar. No meu apartamento só se vê escuridão.

Em meio ao breu estou eu, vestido de mim com a cabeça cheia de pensamentos não partilhados. A tristeza corrói meu coração e as lágrimas não rolam por faltar liquidez na alma. O corpo todo dói, enquanto de dentro do meu crânio, uma voz grita me mandando sair do estado de inércia.

O medo antigo tomou forma. É um monstro que se atualizada em meus dias corridos e me atormenta nos dias de descanso. Estou me acostumando com sua presença, embora ela muito me perturbe.

O ser que era inquieto e insaciável tornou-se só e conformado. Agora só resta sentar-me em minha poltrona prateada e observar a vida alheia que passa na fina e grande caixa preta de plasma presa na parede. Agora o tudo é nada. E eu que era todos agora sou só.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Trilhas cotidianas


Era noite, a cidade estava pacata, pela janela entrava uma brisa fina e suave. No apartamento os gritos de Cazuza em tempos de Barão preenchiam o espaço. Na cozinha, o som baixinho de louça batendo, água caindo e estalos de beijos insanos.

“Eu quero a sorte de um amor tranquilo com sabor de fruta mordida...”, cantava Cazuza aos berros enquanto a louça de um café tardio era lavada entre beijos e apertões de Cristiana em Bruna.

Por fim, última xicara enxague, hora da vingança. Bruna enxugou a mão em uma toalha esquecida na mesa quando Narciso começou a tocar. Cristiana se movimentou em direção a sala, mas não pôde chegar ao sofá, Bruna a puxou pelo braço, a olhou nos olhos e acompanhou o cantor: “eu tenho tudo o que você precisa e mais um pouco, nós somos iguais na alma e no corpo”.

O mundo parou. A expressão de vontade de uma, abriu a fome da outra. As bocas se encontraram ansiosas e as mãos carinhosamente passeavam pelos corpos vestidos expondo o desejo existente. Boca com boca, seio com seio, sexo com sexo, duas meninas se amando, a luxúria personificada em ato.

O MicroSystem ligado não mais importava, agora o que se ouvia eram respirações desejosas, estalos de lábios e línguas se grudando, movimentado, soltando e começando o clico outra vez. Bruna conduziu Cristiana aos beijos e amassos até o quarto; pelo caminho tropeçaram em uma coisa ou outra, mas não importava.

Com Cristiana presa em seus braços pela cintura, Bruna a olhou nos olhos mais uma vez, sem dizer nada, apenas olhou; Cristiana logo entendeu o sentimento não dito. Por dois milésimos de segundo pensou em como sua amada nunca diz o que sente, mas ao mesmo tempo deixa tão claro. Após os olhos nos olhos, Bruna soltou um sorriso de canto de boca e lábios fechados, e jogou Cristina na cama, de modo que ela caiu de braços abertos e confortavelmente com as costas no colchão. Com a cara mais safada do universo, Bruna sorriu pra Cristiana, subiu na cama e engatinhou vagarosamente sobre seu corpo até ficarem rosto com rosto.

_Sou uma loba muito má e vou te devorar chapeuzinho – disse Bruna imprestavelmente no ouvido de Cristiana.

E assim o ritual se inicia. Mãos nas mãos, boca na boca, boca na orelha, no pescoço, no colo, até a blusa atrapalhar.

_ Odeio roupa sabia? – disse Cristiana em meio à respiração desejosa, fazendo graça, jogando charme.

_ Deixa que eu resolvo isso pra você em dois segundos – retrucou Bruna arrancado a blusa da amada e depois a sua.

Em meio a beijos e mãos que transitavam pelos corpos despudoradamente, o telefone toca. A princípio ignoram, mas a urgência de quem ligava mostrou-se na insistência dos toques. Não importou, ignoraram mesmo assim. O telefone parou, nesse exato momento, notou-se a troca de álbum com Ana Cañas: “venha me pegar que do seu jeito é que eu gosto, com você eu tudo quero, com você eu tudo posso...”.

As respirações já estavam alteradas, a boca de Bruna desceu pelo pescoço de Cristiana e desenhou seu colo, com a mão direita acariciou o seio esquerdo da mulher que tinha abaixo de si, com a esquerda, acariciou o seio direito; parou, ergueu-se e olhou-os com fixação, como quem admira uma obra de arte, sorriu com lábios fechados, voltou a tocar o bico dos seios da outra com as pontas dos dedos.

Cristiana observava cada movimento da mulher que estava sobre si e se arrepiava a cada toque. A forma como aquela mulher a tocava, a desconcertava. Bruna cuidava, tocava, amava Cristiana como se fosse uma relíquia ou um tesouro muito, mas muito valioso. E cada gesto era com o mais profundo carinho e zelo.

Bruna lambeu o meio dos seios de Cristiana como quem degusta um picolé, desceu a língua até seu umbigo, rascunhando o caminho já tão conhecido. Beijou cada pedaço de sua barriga, enquanto as mãos habilidosas desabotoavam a bermuda jeans de Cristiana. Parou o movimento dos lábios, arrancou a peça de roupa e deitou-se novamente sobre a mulher que havia na cama.

Cristiana já não aquentava de desejo, estava muito molhada e ansiava pelo contato. Não suportou. Virou-se de forma que ficou sobre Bruna e agora o jogo seria diferente. Arrancou o shorts da mulher que desejava, quase que com desespero. Não esperou, arrancou também a calcinha e aproveitou para tirar a sua.

Bruna gargalhou ao ver o desespero da amada, mas se impôs. Girou o corpo, ficando outra vez sobre Cristiana. Beijou-a profundamente, parou, a olhou, desceu os lábios novamente como se fosse beijar; Cristiana preparou-se para o beijo, com o fome, mas Bruna não a saciou.

_ Você não entendeu? – disse Bruna, fitando-a. – Eu vou te devorar. Você é minha presa e não adianta lutar. – disse séria.

Cristiana a buscou em um beijo, que claro, Bruna correspondeu ardentemente.

_Não faz isso comigo – reclamou Cristiana. –Para de me torturar – disse em tom de súplica.

Bruna riu da cara da mulher a sua frente e logo foi atender seu pedido. Com gula, sugou os seios de Cristiana, primeiro o esquerdo, depois o direito. Cristiana gemia, o que provocava os instintos mais secretos de Bruna.

_Deliciosamente fascinante – murmurou Bruna, com o corpo colado em sua boca, que por sua vez ia descendo, explorando o “terreno”, enquanto suas mãos passeavam por aquele ser.
Desceu a boca, beijou as coxas de Cristiana, sem pressa, mas com vontade. Em seguida a virilha, primeiro beijinhos, depois beijos e então lambidas. Cristiana, que tinha os dedos engalfinhados entre os cabelos castanhos de Bruna, tentava empurra-la para parte do seu corpo que tanto a desejava, mas Bruna não se deixava dominar.

O celular de Bruna tocou, tocou. Aquela velha musiquinha irritante de celulares LG, mas e dai? Isso não as atrapalhou.

Bruna dá a primeira mordiscada no sexo de Cristiana, o sente quente, molhado. De repente faz um movimento de 360° com a língua, como quem lambe uma tigela após devorar um doce saboroso. Cristina arqueia o corpo querendo mais, e têm.

Lambeu, mordiscou, bebeu do líquido viscoso que escoria da amada, a sentiu gozar, mas não parou.  A língua de Bruna continuou a dançar pelo sexo de Cristiana, até o sentir arder novamente. O corpo de Bruna escalou o de Cristiana com a incrível habilidade de quem conhece o percurso, e mais beijos, profundos, ardentes, ansiosos. Bruna posicionou seu sexo sobre o de Cristiana e começou a se movimentar, Cristiana entendeu a dança e começou a se mover embaixo da mulher que a enlouquecia. Entre beijos e roçar de corpos as duas gozaram juntas, no mesmo instante.

Bruna relaxou o corpo sobre Cristina esperando a respiração se estabelecer. Cristiana que respirava a espiração que a outra soltava sobre si, sem pensar beijou o pescoço de Bruna, que rolou para o lado, caindo de costas no colchão, mas logo se erguendo para observar a mulher que tinha ali.

_ Que foi? – perguntou Cristiana com um sorriso bobo no rosto.

_ Nada. – respondeu Bruna sem parar de fitar a mulher a sua frente.

_ Em que você está pensando? Me diz.

Um bipe esquecido sobre a mesinha de cabeceira da cama de casal, desembestou a tocar. Bruna virou-se e alcançou o aparelho. Olhou o visor, então sentou na cama, pegou a calcinha que a pouco a mulher havia lhe arrancado e vestiu. Caminhou até o guarda-roupa, vestiu o sutiã, uma calça, uma blusinha, pegou um sapato branco e calçou. Virou-se novamente para cama e lá estava uma bela mulher nua a olha-la.

Caminhou em direção a cama, sentou-se sobre o colchão, acariciou o braço, depois o rosto e então fez um cafuné na mulher que a fitava. Sorriu mostrando os dentes.

_ Eu te amo! – disse Bruna com os olhos fixos nos da mulher nua na cama.

Cristina sorriu de volta.

_ Eu sei, – disse Cristiana – mas adoro ouvir isso saindo dos seus lábios.

Bruna sacodiu a cabeça e riu como quem diz “essa mulher...”.

Levantou-se.

_ Vou pro hospital, precisão de mim lá – explicou Bruna.

_ Quando você volta? – perguntou Cristina, mostrando desgosto com a notícia.

_ Não sei, – respondeu Bruna – mas eu volto. Eu sempre volto – piscou com cumplicidade para mulher que amava, deu um último beijo e caminhou em direção a porta.

_ Hei – chamou Cristiana.

Bruna virou-se.

_ Eu te amo! – disse Cristiana ainda nua sobre a cama.

Bruna sorriu com um riso largo.

_ Eu sei – piscou mais uma vez para Cristina, lançou um ultimo olhar e saiu.

O aparelho de som já havia parado de tocar a certo tempo, mas passando pela sala, Bruna pegou o controle remoto, apertou alguns botões e gritou já batendo a porta que dava para o elevador:

_ Cris, pra você.

E então a apartamento encheu-se com a voz de Djavan em Infinito: “...Por falar no amor, acho que vou buscar viver por você ou me acabar. Quem mandou me acorrentar, fazer-me refém
nas grades do amor”.